Eu terminei hoje de ler O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, e eh o livro brasileiro que eu tive mais prazer em ler ateh hoje. Eu jah estou lendo a um certo tempo (desde junho), parte porque o livro eh grande e em parte porque a cada dia que passa eu leio mais devagar. E fiquei triste porque ele acabou - eu estava quase todo dia acordando e lendo um ou dois capitulos no cafe da manha e jah me acostumei em fazer isso (antes eu lia andando de metro).
Eh dificil explicar por que eu gostei tanto - eu jah tinha lido outros livros do Ariano Suassuna e sempre gostei do que li, mas esse eh diferente - ele eh tido como a obra-prima de Suassuna e do Movimento Armorial, que "uma iniciativa artística que tem como objetivo criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro". Eu lembro do que eu estudei em Literatura na escola e acho uma grande falta nao mencionarem o Movimento Armorial - eu me diverti e aprendi tao mais com esse livro sobre a cultura brasileira do que com todos os livros que eu li na escola.
Vou acabar descrevendo ele mal, mas vou tentar mesmo assim. Eh de certa forma um romance de cavalaria - sobre a Demanda Novelosa do Principe do Cavalo Branco - inspirado nas narrativas magicas dos folhetos populares do Nordeste, mas ao mesmo tempo seguindo os moldes dos grandes romances de cavalaria europeus. Personagens como o Dom Sebastiao, o Desejado, o principe enevoado de Portugal, os profetas do Antigo Testamento, Homero e os Doze Pares de Franca de Carlos Magno, todos eles se misturam nos Sertoes Velhos do Cariri com Cangaceiros, Zumbi, Antonio Conselheiro, a Coluna Prestes e o Movimento Integralista. Eh o retrato mais bonito que eu li ateh hoje do Brasil - misturando nosso passado "iberico e fidalgo" com o nosso sangue "negro e tapuia" e nos fazendo assim "sertanejos e castanhos". A dualidade estah sempre lah, de um lado os comunistas e outro os integralistas, de um lado o governo e Antonio Conselheiro, a prosa e a poesia, ... e essa continua tensao eh que faz o romance tao gostoso. Mas nao se engane: pelo que eu falei ateh agora, voce pode estar pensando que se trata de um livro intelectual e dificil - muito pelo contrario, ele eh uma historia divertida, das dificeis de parar de ler, magico e narrado em estilo popular, como se fosse um folheto. De fato, cada capitulo eh chamado de folheto, estes organizados em 5 livros. Ele comeca com algo como:
- FOLHETO I : Pequeno Cantar Acadêmico a Modo de Introdução
- FOLHETO II : O Caso da Estranha Cavalgada
- FOLHETO III : A Aventura da Emboscada Sertaneja
- FOLHETO IV : O Caso do Fazendeiro Degolado
- ...
Terminando o livro, eu li essa entrevista com o Ariano Suassuna, que recomendo muito. Eh uma entrevista de 1990, quando Collor ainda era presidente do Brasil. A entrevista dah uma certa nostalgia do Brasil que eu vivia quando tinha 6 ou 7 anos, que eu estava comecando a entender. Na entrevista Suassuna critica Collor (2 anos antes de sabermos de tudo), a tropicalia, diz que nao gosta de Caetano Veloso, fala mal do marxismo e se diz um monarquista de esquerda. Ao mesmo tempo fala do seu amor ao teatro e ao circo, do Movimento Armorial, do seu pai e das suas lembrancas ruins da revolucao de 1930, ... eh uma bela entrevista. Depois de ter livro A Pedra do Reino, eu acho que eu consigo apreciar ela bem e ver que tudo faz muito sentido - mas talvez a entrevista faca menos sentido, antes de ler esse ou algum dos outros livros dele - onde todos esses elementos acima aparecem de uma forma ou de outra.
A Pedra do Reino faria parte de uma obra maior, uma trilogia chamada "A Maravilhosa Desventura de Quaderna, o Decifrador, e a Demanda Novelosa do Reino do Sertao" do qual a Pedra do Reino seria a primeira parte. A Pedra do Reino eh um romance muito bem acabado, que sozinho eh uma das historias mais impressionantes que eu jah li. Mas dois outros livros estavam prometidos no caminho da trilogia:
- II — HISTÓRIA D’O REI DEGOLADO NAS CATINGAS DO SERTÃO.
- III — O ROMANCE DE SINÉSIO, O ALUMIOSO, PRÍNCIPE DA BANDEIRA DO DIVINO DO SERTÃO
Aqui a capa do Rei Degolado que eu consegui achar na internet: