domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sobre o Poder da Diversidade

Acho que se eu nao fosse um teorico de computacao (matematico, economista ou nenhuma dessas areas afins) eu gostaria de ser neurologista - pelo menos eh o que eu penso quando eu leio os livros do Oliver Sacks (aqui uma talk dele se vc nao conhece). Eu li nas ferias o Antropologo de Marte e ontem comecei a ler Musicophilia. Quem me conhece pode achar estranho eu estar lendo um livro sobre musica, mas na verdade musica embora seja o fio condutor do livro nao parece ser o principal tema: o personagem principal eh o cerebro, suas capacidades, o talento inato e o que voce pode desenvolver, como eh a nossa percepcao e que fenomenos sociais/fisicos/neurologicos fazem com que apreciemos musica e outros tipos de arte, ... pelo que li ateh agora voce bem poderia substituir musica por, digamos, matematica ou futebol e muito do que eh falado continuaria fazendo muito sentido.

Uma coisa que atraiu minha atencao de volta ao Oliver Sacks eh que essa semana vem a Cornell a Temple Grandin, professora da Colorado State University para a estreia local de um filme sobre a vida dela e uma talk logo em seguida. Temple eh um dos principais casos relatados no Antropologo de Marte - alias, ela que dah nome ao livro. Temple eh autista - e ao contrario do que voce pode pensar se voce nao conhece bem a definicao de autismo - muito inteligente, doutora e uma das maiores especialistas em comportamento animal. Embora me arriscando a dar uma definicao errada (e eu recomendo o livro de Sacks pra eu explicacao mais precisa) o autismo eh caracterizado pela dificuldade de relacionamento e de se entender regras complexas de relacoes sociais. No caso de Temple, a dificuldade de decodificar relacoes sociais de alto-nivel veio junto com um incrivel entendimento dos sentimentos simples e primitivos - que faziam com que ela se sentisse muito conectada aos sentimentos dos animais - e daih o tema principal da pesquisa dela (hoje em dia 1/3 das instacoes de gado nos Estados Unidos sao feitas a partir de designs dela). Mas deixo os detalhes para o livro de Sacks e pro filme e acho que vou falar por que achei essa historia tao interessante.


Embora seja obvio e seja algo popular nos filmes politicamente corretos, mas que eu passei a pensar de uma forma totalmente diferente eh: nos somos pessoas diferentes. O fato de sermos unicos nao eh soh um fato social/cultural - isso eh tambem um fato neurologico. Varias coisas que tomamos como universais nao o sao na verdade. Eu varias vezes me pego irritado com alguem e pensando algo como: "eu nunca agiria dessa forma, independente do que acontecesse" ou "como fulado pode fazer isso ou aquilo comigo - ele nao entende como eu me sinto". A resposta eh: pode ser que de fato ele nao entenda como voce se sente. As pessoas tem graus diferentes de empatia com determinadas coisas: seja sensibilidade para apreciar artes plasticas, para apreciar artes, para sentir empatia, para se sensibilizar com isso ou aquilo, ... e muitas vezes nao entendemos isso. Os relatos neurologicos dos livros do Sacks se concentram em casos extramos, como o autismo no caso do "Antropologo de Marte" e, por exemplo, a amusia, em "Musicophilia". Mas nada disso acontece como zero ou um - mas em diferentes graus de uma forma  sutil e com as pessoas a nossa volta. Um exemplo muito comum eh voce olhar para duas pessoas que estao se sentindo tristes e para uma voce se sensibilizar e para outra voce simplesmente achar que eh frescura - simplesmente porque voce tem mais dificuldade de sentir empatia no segundo caso.

Lendo o paragrafo acima voce pode pensar: que chato que eu nao tenho tal  habilidade como tal pessoa - seja ela musica, matematica, futebol, empatia, ... Eu acho que nesse sentido o exemplo da Temple eh bonito: a falta de uma coisa deu a ela uma percepcao maior de outras - e o livro de Sacks estah cheio de exemplos assim: pessoas cegar que desenvolvem um talento extraordinario para a musica, dificuldade em criar empatia mas facilidade em capturar imagens ou dificuldade de raciocinio mas uma memoria prodigiosa. De novo, o que ele relata sao casos extremos - mas isso acontece em menor grau no dia a dia e uma coisa que achei muito interessante nesse sentido foi um post do Terry Tao no buzz. Nesse post, ele comenta que o poder de determinados ramos na matematica estah em abstrair ou ignorar determinados aspectos do problema: analise, por exemplo, ignora quantidades exatas e foca em ordens de magnitude, algebra ignora como objetos sao construidos e se concentra nas propriedades que os objetos tem q nas operacoes que podem ser feitas neles, .... O interessante disso eh que varias areas da ciencia podem ser vistas dessa forma: concentrar em um aspecto do problema e ignorar outros. Nossa diversidade neurologica faz com que olhemos para os problemas de uma forma unica - e uma solucao interessante pode vir nao do que voce consegue ver, mas do que voce consegue ignorar.

3 comentários:

Cicconet disse...

"O autismo eh caracterizado pela dificuldade de relacionamento e de se entender regras complexas de relacoes sociais". Logo sou autista. E também não acredito que exista alguém que entenda as regras complexas das relações sociais, donde todo mundo seria autista... Por outro pode ser problemático ser uma pessoa normal, que teria habilidades para desempenhar qualquer função: a dúvida sobre que rumo se deve tomar é paralizante, e pode até mesmo convergir para a anhedonia (incapacidade de sentir prazer com as coisas).

Renato disse...

O q entendi foi o seguinte: diferentes pessoas percebem as regras sociais de uma forma diferente - casos muito extremos sao o que caracterizam o autismo - em determinados casos autistas nao conseguem entender relacoes mais complicadas como humor, sarcasmo, amizade, afeto, saudade, ... E acho que o interessante analisar esses casos extremos para entendermos nossa mente (os casos extremos sao uma forma de isolar os diferentes aspectos que nos compoe).

Dessa forma autismo nao eh uma percepcao diferente das relacoes sociais, da mesma forma que uma pessoa nao estah deprimida quando estah triste ou eh turetica porque gosta de falar palavrao ou tem alguns tiques. Dessa forma nao acredito que todos sejam autistas - mas acho q a ideas que vc se refere eh que todos temos graus diferentes de empatia/percepcao/sensibilidade a diferentes situacoes.

Eu tambem nao acredito que exista algo com "uma pessoa normal" e que isso eh uma invencao particularmente cruel da sociedade. Concordo com vc que se ela existisse ela ela sofreria muito em varios sentidos. Como dizia aquela frase do Caetano Veloso: "De perto ninguém é normal."

Anônimo disse...

Post muito interessante !

Guilhermes