domingo, 27 de junho de 2010

Camarao e a memoria, Copa do Mundo, Trufas e listas

Lembro que sempre que vovo servia camarao ensopadinho com chuchu ela cantava um pedaco dessa musica: "Disseram que voltei americanizada" da Carmen Miranda. Recentemente me deparei com ela por acaso e fiquei feliz com a lembranca e fiquei ouvindo a musica no YouTube e de fato ela eh bem interessante: tem uma letra leve e engracada e fala sobre manter a sua identidade tropical mesmo vivendo na Terra do Tio Sam, o que eh um assunto que me interessa, ainda em epoca de Copa do Mundo. Eu meio que sinto que deveria escrever alguma coisa sobre a Copa do Mundo, mas vai ser breve. Eu de fato assisto futebol de quatro em quatro anos e mesmo assim, soh os jogos do Brasil, mas eu gosto da Copa do Mundo por varias razoes:
  • uma razao pratica eh me juntar com os outros brasileiros num bar e conhecer a comunidade brasileira do MIT/Harvard/BU/...  Acho a festa em torno da Copa divertida.
  • eu fico com um certo orgulho quando varias pessoas dizem que torcem pro Brasil, mesmo sendo um pouco embaracoso quando eles tentam conversar comigo sobre a selecao brasileira e logo percebem que eles sendo iranianos, arabes, americanos ou europeus entendem mais sobre a minha selecao do que eu (outro dia me perguntaram o que eu achava do Ronaldinho nao ter sido convocado e ficaram espantados por eu nao saber que ele nao tinha sido convocado.) Gosto tambem quando saimos do lugar que estamos vendo o jogo com a camisa do Brasil e as pessoas ficam te cumprimentando na rua e acham que voce eh um cara legal soh por ser brasileiro - o que eh uma imagem bem legal que o meu pais tem.
  • Eh interessante a imagem de Copa do Mundo como uma maneira pacifica de se expressar o seu nacionalismo. Por outro lado, nao dah pra esquecer essa "emulacao de guerra". Eu acho legal quando uma ex-colonia enfrente seu ex-colonizador - mas legal ainda quando eles vencem. Dessa forma, acho legais jogos como Brasil x Portugal, EUA x Inglaterra e por aih vai. Jogos que tem um fundo politico sao sempre interessantes como um da Argentina x Inglaterra (na Copa passada ou na anterior, se nao me engano) e outros... Acho que gostaria de a Coreia do Norte se classificasse porque EUA, Coreia do Sul e outros devem estar doidos para jogar contra eles, jah que atacar Pyongyang parece por enquanto fora de questao. Sobre isso, esse video eh engracado.
  • Eu tentei argumentar que o Brasil deveria ganhar a copa por uma questao de Social Welfare. Estava discutindo porque o Brasil deveria ganhar e a Argentina nao: de fato a nossa populacao (200M) eh cinco vezes maior que a populacao da Argentina (40M). Dessa forma, voce vai estar fazendo mais gente feliz. Argumentaram entao que a China deveria ganhar a Copa. O problema eh que nao eh soh uma questao de tamanho da populacao, mas de percentagem da populacao que se importa com futebol - o que eh 99,9% do Brasil - tirando individuos como eu que se chateiam mais quando o queijo que estah na minha geladeira estraga do que quando o Brasil joga mal. Mas eu torco mesmo assim pelo meu time e fico feliz quando ele ganha. Como eu falei, eh uma questao de National Welfare.
Se voce quiser entrar mais nessa questao de National Welfare, voce deveria ver a talk no TED falando sobre medir Gross National Happiness ao inves de Gross National Product, como faz o Reino no Butao. Mas eu vou me evadir desse tema e fazer como eu sempre faco em blog posts e mudar para um tema completamente nao-relacionado, mas antes, jah que falamos do Butao, vou colocar uma foto do ninho do tigre:


Eu tenho meditado um pouco sobre o que me faz feliz e nao sei ainda responder a essa pergunta, mas estou tentando ser mais serio sobre procurar essa resposta. E de certa forma acho que a resposta estah em ser menos greedy em algum sentido, em entender que a felcidade eh um caminho e andar calmamente em direcao aos seus objetivos. Eu vou parar por aqui, porque isso estah ficando uma descricao chata, porque nao estah concreto e tudo isso eh muito vago, mas vou tentar em futuros blog posts dizer algo nesse sentido. Sendo mais concreto e mais especifico, eu tomei uma decisao de nao trabalhar nos fins de semana (ou pelo menos nao muito). Bom, talvez eu reverta isso nos proximos fins de semana - mas por enquanto estah sendo uma experiencia interessante. Vou terminar esse blog post desconexo com duas listas. A primeira eh de coisas que eu fiz hoje e de alguns comentarios:
  • comprei trufas na Teuscher e isso foi agradavel e me deu um numero (ainda que bem pequeno - menos de uma por dia) de trufas para a semana. Acho que nesses pequenos prazeres - como trufas - estah parte do caminho. Mas talvez eu esteja redondamente enganado.
  • Passei a maior parte do dia lendo sobre ferrovias na Asia, principalmente a Trans-Siberiana e sonhando em atravessar a Manchuria de Moscou ateh Beijing (sim, se voce ler sobre a Trans-Siberiana voce vai reconher todas as regioes do jogo de War como Omsk, Vladvostok, ... Eu podia ateh sentir o gosto de Borsch na boca. Por outro lado, fiquei triste em saber que o Expresso do Oriente foi descontinuado jah a varios anos. Eu sonhava andar nele desde que a mais de 10 anos atras eu li o livro da Agatha Christie "Murder on the Orient Express" (alias, highly-recommended como uma introducao a Agatha Christie)
  • Fui correr no Rio Charles e isso eh sempre uma experiencia agradavel.
  • Eu me senti com vontade de tomar Vietnamese Coffee, procurei no Google Maps. Fui lah, mas o cafe nao era como eu esperava. Preciso achar um restaurante realmente vietnamita em Boston. Creio que deve ter varios, no entanto.
  • Li um pedaco de The Pooh Perplex, que eh muito engracado - mas acho que seria mais se eu soubesse mais sobre literatura e critica. The perplex eh uma colecao de essays analisando Winnie-The-Pooh sobre diversas oticas: desconstrutivista, neo-colonialista, freudiana, ... A primeira essay decorre sobre a delegacao do heroismo e da hierarquia social dentro da sociedade em Winnie-the-Pooh. O segundo tenta interpretar o livro como uma luta de classes. Sao parodias muito engracadas das linhas de pensamento para analisar literatura (e arte de uma forma geral).
O fim do post eh uma lista de expressoes desconexas, mas interessantes:
  • o ultimo imperador da China
  • a coroacao da Rainha de Copas
  • o baile da Ilha Fiscal
  • a ultima flor de Ho Chi Minh
  • o inverno em Buenos Aires
  • um rendevouz em Leningrado
  • o dia da marmota
  • a torre de Hanoi
Em geral, como eu sou meio surdo de tom (tone deaf), eu acho complicado gostar de musica. Mas eu gosto de palavras lidas alto e gosto do som das palavras de uma forma geral - o que faz com que eu goste de musicas que tem palavras. Por isso eu gosto de listas de palavras lidas em sequencia, mesmo que nao facam sentido, como essa e essa. Finalizando com uma quote da Susan Sontag:
Every country, including southern countries, has its south: below the equator, it lies north. Hanoi has Saigon, Sao Paulo has Rio, Delhi has Calcutta, Rome has Naples and Naples...

domingo, 20 de junho de 2010

Oolong, Jasmin, Rosas and Tartarugas

Hoje, como parte da minha jornada para me tornar uma pessoa sofisticada, eu fui em uma loja de cha em Boston e comprei Oolong, cha de Jasmin, Rosas, um cha verde japones chamado Sencha. Oolong eh a traducao de "black dragon tea" - cha do Dragao Preto, porque eh uma erva longa, preta e encaracolada. Eu comprei tambem um pacote de "Rooibos Cocomint" - um cha africano doce com hints de coco e chocolate - mais para fazer IceTea, se bem que meu tipo preferido de IceTea eh Thai IceTea, particularmente o que fazem num dos restaurantes tailandeses de Ithaca. Falando ainda em bebidas geladas do oriente, eu gosto muito de Vietnamese Iced Coffee (Ca phe sua da). Essas coisas fariam um sucesso no Brasil - eu recomendo fortemente que os meus amigos empreendedores pensem em uma loja de cha/cafe orientais. Algo que teria cafe turco, as variacoes americanas de latte, os cafes italianos, ice-teas tailandeses e a variedade de chas do Oriente. Mas voltando, eu ainda comprei um pote de cha japones azul:


Nao eh uma ceramica de shino rara do periodo Edo (um dia eu chego lah), mas eu fiquei feliz com meu pote. De toda forma, eu preparei Oolong e tomei ele com esses biscoitos belgas de amendoas aih da foto. [Aos leitores mais sensiveis, eu peco desculpas se o post parece pretensioso. E sim, eh um post isolado e eu nao tenho pretensao de transformar isso num blog de cha.]

Outros fatos dignos de nota: eu estava andando nas imediacoes na casa de cha e descobri estar no bairro brasileiro: sim, tudo estava escrito em portugues. Tinha uma "borracharia" - escrito assim. E todo mundo estava falando portugues. Eu fiquei feliz, entrei num supermercado - e serio, eu estava entrando nas casas Sendas ou no Mundial. E trouxe pra casa um pacote de Serenata de Amor, umas caixas de mocoto e um pedaco de lombo defumado. Era uma supermercado luso-brasileiro - ainda tinham postas enormes de bacalhau salgado como na boa e velha Lisboa. Outros fato:

Estava andando na rua e encontrei essa bela ilustracao do Paradoxo de Zeno (mais particularmente da sua versao conhecida como Aquiles e a Tartaruga):



E falando em tartarugas, eu me lembrei da expressao "It's turtles all the way down" de Russell, que vem dessa bela passagem anedotica extraida (claro) da Wikipedia:
A well-known scientist (some say it was Bertrand Russell) once gave a public lecture on astronomy. He described how the earth orbits around the sun and how the sun, in turn, orbits around the center of a vast collection of stars called our galaxy. At the end of the lecture, a little old lady at the back of the room got up and said: "What you have told us is rubbish. The world is really a flat plate supported on the back of a giant tortoise." The scientist gave a superior smile before replying, "What is the tortoise standing on?" "You're very clever, young man, very clever", said the old lady. "But it's turtles all the way down!"

Mas melhor ilustrada nesse quadrinho do fabuloso LOGICOMIX:

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Diversos: restaurantes, arquitetura, Brasil, out-of-body-experiences, codigos de telefone, ...

  • Eu fiz uma lista de restaurantes que gosto no Rio, mas isso eh um processo em construcao: coloquei os que gosto de ir com meus amigos e dos quais acho a comida particularmente boa. A lista naturalmente privilegia lugares perto de onde eu morei ou estudei (ou seja, nada de Barra, e quem dirah off-Barra na lista). Lugares que eu nunca fui estao, naturalmente fora da lista. Mas estou faminto por sugestoes para a minha proxima viagem para o Rio.
  • Estou trabalhando numa lista de restaurantes em Cambridge/Boston, mas ainda eh muito cedo. Enquanto isso, vou colocar fotos de predios que eu gosto nessa cidade. Sou em particular um grande apreciador da arquitetura de Frank Gehry (embora como se critica o Niemeyer, as pessoas podem dizer que sao predios lindos mas pouco funcionais - eu na ligo e estou feliz de ter o Stata Center perto de mim. Alias, acho que muito bonito por dentro. Mas concordo, eh um predio bem labirintico.)
  •  A frase que diz que o "Brasil nao eh um pais serio" eh normalmente atribuida a Charles de Gaulle, mas eh uma falsa atribuicao. Quem disse isso de verdade foi o embaixador brasileiro em Paris Carlos Alves de Souza Filho na ocasiao da Guerra da Lagosta. Me diverti muito com esse otimo blog post. Eh tao engracado (a Guerra da Lagosta) que eh facil achar que eh mentira - e de fato eu nao sei o quao eu confio nos artigos da Wikipedia que eu citei: tem soh uma referencia para um obscuro documento da Marinha. Verdade ou nao, eh engracado demais.
  • Talks legais do TED:
  • Eu fui numa palestra sobre "naming and numbering" e ouvi coisas curiosas. Uma eu jah sabia, eh sobre o modo de se dar enderecos no Japao (o link eh sobre um videozinho legal de 2 min sobre isso). Outra coisa que achei curiosa eh que os codigos de area foram otimizados para serem discados em um telefone de disco. Isso mesmo um telefone assim, que nem mais a sua avo tem:

    O codigo de NYC eh 212 e o de Chicago era 313 para serem rapidos de serem discados nesses telefones. Fico imaginando se o mesmo eh verdade para os codigos de area de Sao Paulo, Rio e BH (11, 21 e 31). Acho que muito provavelmente eh.
  • Estou correndo no Rio Charles e tenho ouvido Elis Regina enquanto corro. Eu fico rindo sozinho enquanto corro, porque eu acho essa musica engracada: "Eu hein Rosa". Tambem acho engracado ela cantando "Devagar com a louça" mas nao achei o link.
  • Chesterton certa vez disse algo como: "Fairy tales are more than true — not because they tell us dragons exist, but because they tell us dragons can be beaten" [Chesterton Wikiquote

terça-feira, 15 de junho de 2010

Mil Tsurus, Bangkok, Caixa Preta

Li livros muito bons recentemente e acho que merecem um comentario:
  • Mil Tsurus foi o primeiro livro que eu li do premio Nobel japones Yusunari Kawabata. Ele tem um texto eleganta, trabalhado como um vaso oriental. Alias, os vasos e utensilios de cha ocupam o lugar principal nesse livro. Tudo o amor, traicao, intriga, ... acontece via os utensilios, chawans e vasos. Os personagens sao quase que desculpas para exibir as belas pecas durante a cerimonia do cha. Por um lado eh uma historia que transpira tradicionalismo e respeito as tradicoes milenares do cha, por outro lado eh um romance altamente sexual - mas com uma sensualidade elegante e oriental. Resumindo a historia (ou seja contando o que voce pode ler na orelha do livro) e correndo o risco de simplificar demais e contar coisas erradas, o plot eh o seguinte: um homem se encontra numa cerimonia do cha onde ele encontra duas ex-amantes de seu pai, jah falecido. As duas buscam seduzir o rapaz e ao mesmo tempo fazer com que ele se case com suas filhas/protegidas. O que tem tudo pra se transformar num enredo de filme de terceira, nas maos de Kawabata, vira um romance elegante. Um link para o livro.
  • Bangkok 8: eu gosto muito de thrillers bons, mas nao eh facil encontra-los, entao eh bom eu falar quando eu acho um excelente. Bangkok eh um desses romances que quando vc chega na metade voce fica acordado a noite inteira lendo ateh chegar no final. Eh um romance sujo, violento e chocante em varios pontos - mas dificil de parar de ler. Um otimo misterio, costurado num lugar exotico como a Tailandia e temperado com monges budistas, policiais corruptos, arte Khmer, ... Um link pra ele.
  • A Caixa Preta: ontem eu terminei de ler A Caixa Preta e eh uma bela historia. O autor - Amos Oz - eh um dos principais escritores israelenses atuais. Nao eh um livro alegre: o livro eh uma colecao de cartas entre os personagens, mas basicamente entre os dois personagens analisando o seu casamento desfeito: ela ainda em Israel e ele nos EUA. Eu fiquei mais curioso para ler ele para entender mais sobre Israel. Os personagens principais e outros que tambem escrevem cartas exemplificam diferentes formas de pensamento politico dentro do pais. O personagem principal, em particular, eh um academico nos EUA que estuda diferentes formas de fanatismo.

Eu vi Awakenings. Eh um filme de 1990 baseado no livro homonimo do Oliver Sacks. Eh baseado no caso mais famoso do proprio Sacks e na sua experiencia pessoal de assumir um posto de neurologista em um hospital depois de anos fazendo pesquisa e nao tendo contatos com pacientes. Aplicando os metodos cientificos que ele estava acostumado no tratamento dos seus pacientes ele consegue "acordar" pacientes que estavam em estado catatonico a 20 anos. Eh uma historia muito bonita e o filme que mais me emocionou em bastante tempo (desde Temple Grandin, do qual eu falei aqui no blog a algum tempo atras). Recomendo fortemente, principalmente pra quem compartilha meu interesse por neurologia. (Wikipedia entry for Awakenings).

Ainda na minha sequencia de recomendacoes, a Jorge Zahar publicou a algum tempo atras uma serie de comic books de Em Busca do Tempo Perdido (link aqui para o primeiro volume: O caminho de Swann - Combray). Eu li os tres primeiros livros, que correspondem aos dois primeiros volumes do romance de Proust. Eu gostei muito dos quadrinhos - que sao uma versao (bastante) resumida do livro. Eh dificil nao se identificar com os personagens. Comprei os dois primeiros volumes do original: Swann's Way e In The Shadow of the Girls in Flower. Vejamos agora se eu consigo chegar ateh o final.

Falando em quadrinhos, recentemente eu achei alguns quadrinhos do Tintin que eu li quando crianca e de fato o Tintin modelou em algum sentido minha visao de mundo. A minha visao do homem bem sucedido era daquele belga que viajava pelo mundo, da Africa a China, das profundezas do oceano ateh a lua. Num dos meus livros preferidos ele investigava a morte de varios arqueologos e ia a America Latina em busca de uma mumia inca perdida, em outro ele achava tesouros em um navio naufragado. E no meio disso tudo ele era a pessoa que cientistas famosos recorriam quando tinham um problema, era amigo de cantoras famosas de opera, de marajas e executivos importantes ao mesmo tempo que confrontava ditadores em paises ficticios da Europa Oriental. De uma forma ou de outra eu devo ao Herge um pouco das minhas metricas de sucesso - ainda que o Tintin tenha setado elas um pouco altas demais. Continuando no mesmo assunto mais mudando de assunto, eu recentemente comprei um poster para que o meu novo quarto em Cambridge pareca um pouco menos business e mais um quarto de um academico. O poster eh a capa do Le Lotus Bleu:

sábado, 12 de junho de 2010

Gauguin, Kunisada e cia

Ontem eu fui ao Boston Museum of Fine Arts e fiquei pensando sobre o conceito de museus e sobre isso eu queria escrever. Pensando num homem do seculo 18, antes da fotografia, do cinema, da televisao, ... um museu era a unica forma de popular o seu mundo pictografico interior. E de certa forma, isso nao eh mais possivel hoje em dia.t

Para explicar, um Gedankenexperiment: imagine que voce eh um menino do seculo 18 ou 19, de digamos uns 15 ou 16 anos - voce nunca viu uma fotografia na vida, nao tem internet nem televisao ou cinema e o as imagens que voce tem na sua imaginacao sao todas do que voce ve e do que voce imagina. Pelo menos visualmente existe pouco pra instigar sua imaginacao. Voce nunca viu um chines, nunca foi ao Tahiti e embora voce tenha ouvido falar de mumias, nunca viu um desenho de uma. Voce conhece as varias historias da Biblia, quem sabe voce tenha ouvido historias de viagens a India ou do norte da Africa, mas tudo sao passagens de um livro ou partes de um relato. O objetivo eh pensar nesse personagem imaginario chegando a um museu e vendo pela primeira vez imagens dos anjos, do Exodo, de um pagode japones, uma expedicao a Africa ou um navio em alto mar.

Para esse habitante do seculo 18, ir a um museu eh popular pela primeira vez o seu mundo pictorio. E essa eh uma experiencia que nao temos: nosso mundo de imagens jah foi populado pela televisao e pelo cinema. De certa forma, ao inves de popular sua imaginacao com Bosch, Goya ou VanGogh, nos populamos ela com copias vulgares da televisao e do cinema. E isso empobrece em algum sentido o nosso mundo interior. O ideal seria entrar num museu deixando o seu mundo pictorio pre-adquirido de lado, e tentando lah aprender qual imagem associar a um capitao, um serafim ou o monte Fuji.

Isso eh um proceso complicado e acaba nao funcionando pra mim tao bem quanto eu gostaria. E isso eh triste porque de certa forma isso empobrece minha experiencia de apreciar arte - principalmente da arte europeia.Mas de certa forma, esse processo continua mais ou menos intacto na minha mente para a arte asiatica e para a parte da arte europeia que busca retratar a Asia e outros lugares exoticos - sobre os quais meu mundo interior (pelo menos o pictografico) eh ainda muito pobre. Por exemplo, eu muito aprecio Madame Monet in Japanese Costume que estava no museu de Boston:


Um dos melhores exemplos de arte europeia onde eu ainda consigo olhar e ficar espantado como que vendo um novo mundo sendo revelado dianto dos meus olhos eh Gauguin. Desencantado com a Europa (e com, como ele diz, "tudo que eh artificial e convencional"), Gauguin fugiu de tudo e foi viver no Tahiti. Existe algo "fresh" em Gauguin que eu nao consigo ver nos outros: um certo tipo de leveza e liberdade dificil de achar na maior parte das obras. A ideia de fugir para uma vida simples, com normas sociais descomplicadas onde voce possa viver de "peixe e fruta" (como dizia Gauguin) eh algo que se encontra em varios lugares - como nos poetas romanticos brasileiros - mas em nenhum lugar eu consigo me sentir tao afastado do peso da civilizacao como nos seus quadros do Tahiti:


Saindo da arte europeia, o mesmo misterio e sensacao de ter meu mundo interior sendo populado eu consigo ainda encontrar nas pinturas chinesas e japonsas. Assim como nas estatuas do Camboja, Vietnan, Indonesia, ... A Asia e o Pacifico ainda sao misterios aos quais a Chinatown de NYC nao consegue satisfazer. Fiquei impressionado com o templo budista japones reconstruido dentro do museu: com as tres estatuas do Buda Presente, Buda Passado e Buda Futuro e seus guardiaos. Fiquei impressionado com a leveza dessa peca Khmer e a elegancia dessa peca vietnamita.

Jah a algum tempo eu gosto muito de gravuras japonesas e o Boston MFA tem a maior colecao delas fora do Japao. Alem de belos exemplos de Hiroshige, existe uma grande colecao de Kunisada que eu descobri recentemente. Aqui um link para os Kunisadas de Boston. Uma boa maneira de terminar um post eh com gravuras japonesas:


e terminando com "Narumi: The Fifty-Three Stations of the Tokaido" por Kurisada e Hiroshige: